domingo, 22 de maio de 2011

Colonialismo

Estou a ler um livro com o título "O Papalagui, discursos de tuiavii chefe de tribo de tiavéa nos mares do sul" e achei que uma parte se adequa ao que aqui se passou, em Lichinga, quando o colonialismo aqui chegou e tentou mudar mentalidades e formas de viver a vida. O livro foi escrito por um chefe de tribo sobre o seu olhar acerca dos europeus na Europa.
Partilho convosco:
Reconheçamos a incontestável felicidade do Papalagui, frustremos as suas tentativas de construir, ao longo das nossas margens banhadas pelo sol, os seus baús de pedra, e de destruir a nossa alegria com pedras, gretas, sujidade, barulho, fumo e areia, como é seu desejo fazer.

Papalagui quer dizer branco, os baús de pedra são as nossas casas e prédios, as gretas são as portas que temos para entrar em todas as casas e dentro das próprias casas, a sujidade é tudo o que podemos imaginar que vamos comprar aos supermercados e afins, o barulho é especialmente dos transportes e música de rádio.
Já não são tribos, mas a herança deixada pelo colonialismo não tem os efeitos que eram pretendidos. Deixou a memória de que são vistos como povo inferior, deixou a certeza que quem é alfabetizado é superior mesmo não sabendo em quê, deixou o desejo de sair daqui para viver como os europeus dizem ser melhor, deixou a vontade ficar cá e ser exatamente como são desde os primórdios sem evolução para o que não lhes interessa.
Terceiro mundo? Cada vez mais ambíguo este conceito...

sábado, 21 de maio de 2011

Agrupamento 1100 de Lichinga

Depois de muito procurar, lá encontrei os escuteiros de Lichinga, mais precisamente, do bairro Isinge (não sei se é assim que se escreve...).
Ficaram super contentes com este contacto e convidaram para passar os próximos sábados em actividades com eles para me mostrarem como são os escuteiros de Moçambique e para eu partilhar o que é ser escuteiro em Portugal.
Estou tão entusiasmada quanto eles, pois acho que o movimento escutista é uma escola de valores que fazem falta a todos, especialmente a populações como a de Lichinga, que ainda está em fase embrião, onde os jovens são incentivados a crescer numa sociedade que ainda não está preparada para os receber.
São escuteiros sem religião associada, sendo o agrupamento constituído por católicos e muçulmanos.
Uma nova experiência com a LEMO, Liga dos Escuteiros de Moçambique!
Aqui fica um site com alguma informação da LEMO
http://sites.google.com/site/scoutmoz/alerta/quem-somos-nos

Sobre o agrupamento 1100 de Lichinga, sei que foi fundado em 2000 e tem 150 elementos, mas que não aparecem metade para as atividades.
Quando souber mais coloco aqui a informação, para aqueles escuteiros que sei que têm interesse em partilhas destas, tal como eu!
Próximo sábado às 8h, temos uma caminhada de 3 horas, para mostrarem a sua terra.
Achei engraçada a primeira pergunta "onde acampam, no mato?", referindo de seguida os acantonamentos nas cidades, como se deduzissem que em Portugal há poucos locais de acampamento.
Será muito interessante para eles e para mim!

Resultados à vista

Depois de várias horas, a escolher, cortar, colar e pintar, começamos a ver os resultados dos preparativos para o dia da criança.
Nestas fotografias vemos os preparativos para a encenação das profissões, a pintura do cenário para o teatrinho "Branca de Neve e os Sete Anões", a preparação do narrador do teatrinho, e a Branca de Neve ainda sem cabeça e o coração do javali.
Para algumas pinturas utilizámos o exterior da sala. Um dos alunos não resistiu e pintou de verde uma parede azul da escola. Este comportamento menos próprio deu uma ideia que em princípio será realizada: a construção do mural do Dia da Criança. Assim, no dia 1 de Junho, logo após as apresentações teatrais e musicais, os alunos de toda a escolinha serão convidados a pintar o que quiserem, com a cor que quiserem na mesma parede onde este aluno pintou.
Espero que seja aprovada a ideia, pois parece ficar excelente pela criatividade dos meninos e meninas dos 2 aos 10 anos.

domingo, 15 de maio de 2011

Jogos tradicionais

Báu, mata, bola e carro de arame.
Serão menos felizes só porque não têm um brinquedo ou jogo não fabricado por eles?
Serão mais infelizes por saberem que existem objetos que eles não conseguem comprar mas conseguem fazer?

Jogos didáticos



Estes são alguns dos jogos que se encontram na nossa sala de aula, ao dispor dos alunos durante o intervalo.

Preparação do Dia da Criança

Dia 1 de Junho está a chegar e já começaram os preparativos para a grande festa.
Todas as crianças, ricas e pobres, vestem a sua melhor roupa, que normalmente é comprada (ou dada) para este dia. As meninas vão colocar mechas no cabelo (trancinhas) e todos esperam receber um presente.
Na nossa escolinha vamos fazer apresentações de dança, música e teatro.
A 2ª classe está a preparar uma peça de fantoches sobre a história "Branca de Neve e os sete anões". Os fantoches estão a ser feitos em cartão e colheres de plástico.
Estamos a preparar também danças e músicas moçambicanas, que em princípio serão vestidas pelos fatos emprestados do museu, por ideia do próprio professor que lá trabalha.
Como os alunos são 37, para os envolver a todos faremos também uma feirinha de profissões, onde cada par de alunos escolheu uma profissão que quer representar. Nesse dia, da escolha da profissão, os alunos referiram o médico, a professora, o veterinário. Não é um pouco... universal, este desejo do que quer ser quando for grande?
Como teremos dois vendedores, precisamos de meticais (moeda local) tendo aproveitado para falarmos sobre o dinheiro em circulação. Os alunos ficaram eufóricos e empenhadíssimos em "fabricar dinheiro" como lhes disse.
E os preparativos continuarão, com a reutilização de material que seria lixo, para fazer fatos, e também com algum material enviado de colegas meus de Portugal (sim, Margarida, muito obrigado!!).
Contam as pessoas que no dia 1 as crianças, depois da festa na escola, sairão todas à rua livres, a andar por onde quiserem, a cantarem e a dançarem na máxima liberdade.
Como uma conversa que tive há pouco tempo, livres podem crescer.

Museu etnográfico de Lichinga

Para saber que existe um Museu Etnográfico em Lichinga foi preciso ver as notícias do Niassa, que dá todos os dias às 18h na TVM.
Mas valeu a pena, ainda para mais porque levámos os 37 alunos connosco, que nunca tinham ouvido a palavra "museu".
Tendo em conta que estão a iniciar agora o investimento na cultura e turismo na província do Niassa, conseguiram reunir algum material para pôr em exposição e são representados por um professor de história local que gosta do que faz. É meio caminho para o sucesso.
Do que se orgulham? Logo à entrada temos o Samora Machel, grande responsável pelo fim da colonização da forma como foi, sendo evidenciado apenas os instrumentos da opressão colonial, como os que estão na fotografia.
Orgulham-se também dos trajes tradicionais feitos de casca de árvore que são realmente interessantes.
O massacre de Mueda, que nem sequer é desta província, também está em lugar de destaque, num mesmo cartaz alusivo ao dia 16 de Junho, dia do massacre em Mueda, dia dos meticais (moeda de cá) e dia da criança moçambicana.
Quando perguntei "têm dia da criança moçambicana?" o professor de história apressou-se em explicar que já estão a construir outro cartaz com os dias festivos separados. Foi evidente a opinião dele sobre a mistura da criança com o tema do massacre.
O monumento que se vê na fotografia está por cima do museu e na praça que se chama "Heróis Moçambicanos", bem como o monumento.
Aqui é prestada uma grande homenagem aos combatentes contra os ex-colonos, brancos.
Passados 30 anos este local é visitado por uma turma da 2ª Classe de alunos moçambicanos, uma auxiliar moçambicana e uma professora branca (como eles dizem).
É irónico, não é?

sábado, 7 de maio de 2011

Lago Niassa

Recolha das redes de pesca
Lavagem de roupa, louça e corpo
Brincadeiras
Pesca
Porquê um post com todas estas fotografias do Lago e seus habitantes?
Porque me deixou numa dimensão muito diferente da qual eu conhecia até então.
Sem barulho de qualquer tipo de máquinas, sem qualquer contato com o resto do mundo e suas notícias, estas pessoas crescem e sobrevivem com o que nós chamariamos de qualidade de vida.
Alimentação feita com alimentos saudáveis, mas essa mesma alimentação nada equilibrada segundo o conceito que estamos habituados.
Higiene diária, mas feita na água do lago, onde se pesca, toma banho, lava a louça e a roupa.
Estar de biquini no local das rotinas diárias desta gente deixou-me com uma sensação que não consigo descrever.
Ver as crianças horas e horas na bricandeira com a água, sem qualquer preocupação aparente, só me fazia associar o seu futuro também a essa mesma água, onde iriam pescar.
Devo confessar que o primeiro passeio ao lago foi o primeiro choque, parecia que estava a entrar num documentário da National Geografic. Fez-me sentir pequenina e leiga perante os homens dentro das canoas feitas de tronco, perante a nudez das pessoas ao tomar banho com sabão onde eu pretendia banhar-me como se estivesse nas nossas praias.
Eu tive o privilégio de conhecer este local onde habitam pessoas que não percebem português pois o dialeto é o nyanja, onde a época colonial deixou pouquíssimas marcas.
Estas marcas são apenas um complexo escolar, alfândega e pouco mais.
Com forte influência do Malawi, algumas pessoas falam inglês e há alguns locais de pernoita para qualquer turista que se aventure em ir até ao extremo esquerdo da província do Niassa.
Como o Lago Niassa é enorme, convém dizer que estas fotografias foram tiradas na Praia de Chuanga, perto da vila de Metangula.
O peixe que aqui se pesca tem o nome de chambo, um peixe preto que abunda por estas águas.
As pessoas fazem os cerca de 115 km até Lichinga para venderem este peixe. Mas não têm a conhecida arca frigorífica... Têm bicicletas com cestos de verga onde colocam o peixe depois de seco.
Talvez pareça muito repetitiva, mas do que adiantará a estes habitantes que aqui querem (e devem) permanecer, estudar até um nível secundário?
Estarão estas pessoas contentes com as novas tecnologias que vão aparecendo?
É muito complicado responder a estas questões...
No caminho para o lago podemos observar casas (algumas palhotas) com paineis solares para que haja eletricidade. Aqui as vantagens são evidentes, pois estamos a falar de centenas de km sem cabos de eletricidade.
Vemos também várias paredes com publicidade à vodacom e mcel, as duas operadoras de telemóveis de Moçambique. Isto acontece porque a maioria das pessoas tem telemóvel... Para quê? A resposta é idêntica se fizermos esta pergunta em Portugal. A diferença é que em Portugal o telemóvel foi substituir o telefone fixo e aqui este é o primeiro meio de comunicação que chega a todos, pois até então apenas algumas aldeias e apenas algumas casas dessas aldeias tinham telefone fixo.
Quando passeamos por estes lados, conhecendo minimamente a história que relaciona Portugal a alguns países africanos, a mente entra em contato com sentidos que baralham... As questões frequentes são: porque viemos (povo português e civilização) aqui parar? Sabem estas pessoas lidar com o progresso? A solução por eles encontrada foi pertinente (ainda vemos casas meio destruídas, pois foram abandonadas pelos brancos)?
Ouvir as histórias de quem aqui estava entre 1975 e 1985 (e até mais tarde), ainda nos faz mais pequeninos perante o horror animalesco e selvagem que paira pelo ar e pelos olhares de alguns.
Olhar para a catana não será a mesma coisa... Se eles soubessem a riqueza que têm, a beleza que têm, talvez a catana não tivesse servido para cortar pessoas apenas porque alguém lhes disse que não deveriam gostar delas...
Muito fica por dizer, muitas pessoas se calam quando numa conversa somos encaminhados para temas como Renamo e Frelimo... E quase todas elas vão lá dar...
Estamos no ano 2011, mas há 30 anos passou-se aqui algo horrível que ofusca a beleza da terra para quem aqui passa mais do que umas férias e para quem pensa sobre isto...
Se calhar eles têm razão em não pensar e apenas viver o presente esquecendo que amanhã também é dia... Hoje têm a fome saciada, não foram violentados, está tudo bem.
Há atrasos em algum procedimento burocrático do que quer que seja? "Há-de vir... É o sistema. Vamos esperar."
E assim a vida continua, aparentemente sem stress, mas com muito medo no ar.

quinta-feira, 5 de maio de 2011

Habitat natural


É uma sensação estranha ir de carro na estrada e ver uma família de macacos a passear...
Neste ambiente, nós é que somos os intrusos.

segunda-feira, 2 de maio de 2011

Capim e barro


Ao passar pelas várias aldeias entre Lichinga e Metangula, distrito do Lago, é cada vez mais evidente o contraste deste mundo com o mundo das novas tecnologias e mercados de massas.
A escola é a escola da vida e a vida faz-se com o que a terra dá.
Vemos capim e barro transformados em casas, vemos o chão de terra varrido com vassouras de capim, vemos os alicerces de troncos, vemos tantas outras coisas que de tão simples e minimalistas nos surpreendem com a grandeza que lhes está implícita.
Para quem é escuteiro e está habituado a construir com espia e barrotes, é uma sensação estranha perceber que estas pessoas não conhecem outra forma de viver sem ser aquela que nós simulamos nos acampamentos.
Mais uma vez me questiono, qual a utilidade de saber ler e escrever para quem precisa de saber sobreviver com o que a terra dá?
Para quê meticais (moeda moçambicana), quando o que precisam é de catana que lhes serve para tudo?
Como alguém me disse um dia destes, aqui parece haver três tipos: ricos, pobres e aqueles que nem sabem o que são meticais.

Pôr do sol no Mosteiro


Quando passarem por Lichinga, vale a pena subir até ao mosteiro e esperar pela fantástica oferta da natureza.
Agora percebo quando dizem "Ai, o céu de África...". É pena não ter uma máquina fotográfica com capacidade para tirar ao céu à noite, pois também é digno de se contemplar!
O dito mosteiro está habitado por 2 ou 3 freiras de uma congregação que em tempos acolheu população cujas famílias foram mutiladas pela guerra.
Agora têm um internato de meninas onde também fazem moagem de milho. Estas meninas são as que ficaram sem família ou com família extremamente pobre, durante os conflitos ocorridos há menos de 20 anos, entre Remano e Frelimo.
É local de retiro e de um silêncio saboroso.

domingo, 1 de maio de 2011

Dia da Mãe

Para a minha mãe, que está a muitos km de distância, deixo estas flores e estas caras alegres e orgulhosas pela sua obra, como forma de agradecimento pela ajuda que deu até agora e por ser a Mãe que é!
Feliz Dia da Mãe