domingo, 27 de fevereiro de 2011

Desânimo e desagrado

Já dizia o padre no dia 26 de fevereiro de 2011. Sim, 2011, pois é do agora que falamos. Ele também dizia que está tudo na nossa cabeça, o desânimo e o desagrado.
Ver alunos a adormecer na sala de aula e a queixar-se de dor de cabeça dá desagrado?
Dá desânimo perguntar a esse aluno se matabichou (tomou o pequeno-almoço) e ele responder que não, perguntar se jantou no dia anterior e ele dizer que não, perguntar se as únicas refeições que toma são as que são dadas na escolinha e ele responder que sim.
Curiosidade dá quando damos uma pera-abacate para matabicho e ele responder “vou guardar”, insistirmos para comer oferecendo 3 maracujás e dizer que pode guardar a pera-abacate para depois e ele ficar contente.
Dá desânimo ter que dar uma lata de leite condensado para ele diluir em água para dar para mais e ficar com a sensação que ele guarda aquilo para levar para casa para dar a outros (sensação partilhada com as minhas colegas).
Desânimo e desagrado estão na cabeça…
Desagrada ver um aluno todos os dias com a mesma roupa e perguntar se tem mais ele responder que não.
Dá ânimo quando levamos 2 peças de roupa (blusas) e ele passa a usá-las como se do seu melhor fato se tratasse.
Dá graça quando esse aluno aparece a primeira vez calçado com chinelos de enfiar o dedo e acaba por perdê-los nessa mesma manhã talvez por não estar habituado a usá-los.
O seu estado natural é sem chinelos ou qualquer outro calçado, para quê calçar?
Dá intriga quando esse aluno aparece com calças enormes de homem adulto, mas ao mesmo tempo alegra pois percebemos que ele se sente bem na escola e mostra-o com a sua apresentação e cuidados acrescidos a cada dia que passa.
Desânimo e desagrado estão na cabeça…
Dá desagrado quando outro aluno adormece na sala de aula.
Dá maior desânimo quando sabemos que é porque choveu a noite toda e a casa dele tem telhado de capim (erva comprida) que deixa entrar água pois os ratos roem o plástico que está por baixo do capim.
Mais desânimo dá quando sabemos que ele dorme numa esteira no chão (molhado) ou se coloca debaixo de uma suposta cama para não se molhar.
Dá um sentimento indescritível quando esta gente oferece o que tem apenas para agradar a quem eles sabem que vem para ajudar voluntariamente e que corre o risco de ir embora se quiser.
Parece ser medo, medo de deixar de ter ajuda.
Desânimo e desagrado estão na nossa cabeça, mas será só isso que está na nossa cabeça?
E está da mesma forma em todas as cabeças?
Tristeza dá quando reportamos relatos parecidos com este para um país que se diz ser de primeiro mundo.
Há dias li um artigo de um professor de Portugal que fala da fome que alguns alunos passam.
Como as calças de homem do aluno de cá demonstram, todos sabemos que as aparências são importantes… Há é diferentes objetivos para a sua utilização.
Na cabeça temos muita coisa, incluindo desânimo e desagrado, os nossos olhos interpretam de formas diferentes, os nossos ouvidos também e a boca e face exteriorizam a forma como as processamos. Isto em qualquer lugar do mundo.
Como alguém me disse ontem “a pobreza está na cabeça”.

1 comentário:

  1. O rapaz sem roupa recebeu de presente da Irmã Ferreira, este fim-de-semana, um par de ténis, umas calças, uma blusa e uma t-shirt.
    A reacção do rapaz foi pedir 10 meticais (Mt) para cortar o cabelo.
    Hoje, apareceu na escola e eu fiquei a olhar... "Xi, quem ele é e como está!"
    Com tão bom aspecto, que parecia mais velho, o que não é difícil, pois é um menino de 11 anos no meio de meninos de 7 anos, na 2ª Classe.
    Tenho esperança que ele continue a seguir este caminho que ele próprio está a traçar, pois ninguém o obriga a ir à escola, visto que nem documentos tem.
    Não estar a pedir na rua porque está na escola já é uma grande vitória!

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